Por Celso G. Furlan
A história narrada aqui é real e foi vivenciada em 2003, ano marcado por uma crise económica que afetou sensivelmente os negócios, em especial na indústria da tecnologia da informação. Apesar disso, a história é sobre um projeto de alto valor agregado e que exigiu, por conseguinte, um considerável investimento por parte da empresa envolvida.
Para facilidade de entendimento é usada uma estrutura contemplando:
- Cenário, para criar o contexto da situação vivenciada;
- A Experiência, narrando os fatos e situações ocorridas;
- Lições Aprendidas;
- Conclusão.
Por razões éticas não são mencionados nomes, apenas personagens e situações, preservando a privacidade e sigilo exigidos. As pessoas que participaram dessa experiência, caso tenham oportunidade de ler esse texto, com certeza entenderão do que se trata e saberão, por me conhecerem, que o objetivo é apenas agregar conhecimento para os profissionais dessa fascinante área de vendas.
CENÁRIO
Pessoas envolvidas:
- O Cliente, uma empresa de grande porte com atuação no segmento de máquinas e equipamentos;
- O CIO do Cliente, uma pessoa dedicada aos negócios, com grande competência técnica e de gestão e da maior lisura em suas ações;
- O Comprador, Gestor do Departamento de Compras do Cliente, uma pessoa que fazia jus à sua origem oriental e acima de tudo possuidor de uma singular habilidade de negociação;
- O Fabricante, uma multinacional da indústria da tecnologia da informação provedora de soluções de software para o mercado corporativo;
- O Gerente de Território, funcionário do Fabricante e responsável pelas operações da região onde a história foi vivida.
- A Consultoria, parceira do Fabricante e responsável pelo projeto que consumiu a solução ofertada.
- O Vendedor, eu, responsável da Consultoria pela operação junto ao Cliente.
O projeto:
O Cliente vinha há meses planejando e especificando o projeto para um salto tecnológico visando suportar melhor o crescimento dos negócios da empresa e, nesse trabalho, contava com os serviços especializados da Consultoria. Entre os componentes desse projeto figurava a compra do produto da Fabricante e o valor monetário dessa transação chegava perto de US$ 1 milhão. Eu tinha a responsabilidade ser o vendedor desse produto para o Cliente.
Estávamos a poucos dias do encerramento do ano fiscal do Fabricante e era importante fecharmos o negócio nesse período, em particular para o plano de cota de venda do Gerente de Território.
O clima:
Consultoria e Cliente mantinham um relacionamento de alta confiança por trabalhos desenvolvidos em estreita parceria que agregava valor para ambas as empresas. Um ambiente altamente favorável para concluir a venda do produto de forma tranquila. Pela confiança reinante não deveria haver sequer concorrência.
Organizada a documentação da venda o processo foi encaminhado para a assinatura do CEO do Cliente que decidiu, para a nossa surpresa, passar para o Departamento de Compras fazer a negociação final.
A EXPERIÊNCIA
Na data marcada, já na semana do encerramento do ano fiscal do Fabricante, fomos para a reunião com o Comprador, eu e o Gerente de Território, com a certeza de fecharmos o negócio rapidamente. Chegamos por volta das 9:30 da manhã.
Uma vez na receção do prédio de alguns andares, em São Paulo, fomos atendidos pelo Comprador, acompanhado do CIO, do Cliente em questão de dois ou três minutos. Coisa rara para situações como essas, diga-se de passagem.
O Comprador nos levou para conhecer as instalações, começando pelo último andar do prédio, reservado para a Diretoria da empresa. Com toda atenção e cordialidade foi nos contando histórias sobre sua longa carreira na empresa, seu relacionamento com o fundador, suas preferências, enfim, foi tornando nossa estada naquele local o mais agradável possível. Em frente à sala principal daquela andar, presenteou-nos com uma caneta de alta qualidade.
Em seguida levou-nos a outros pavimentos, instalações externas, contando sempre ricas e interessantes histórias revelando um profundo conhecimento sobre os negócios do Cliente. Entre uma e outra história perguntava-nos sobre as nossas origens, família, amigos e outros assuntos. Ao longo desse trajeto brindou-nos com outros presentes (três para mim e três para o Gerente de Território), artigos de qualidade pertencentes ao portfólio de produtos do Cliente.
Cabe aqui perguntar: quantos vendedores tiveram em sua carreira algo perecido com uma receção semelhante a essa?
Chegamos finalmente à mesa de reunião da sala do Comprador e tivemos então a oportunidade de falar sobre o assunto que nos levara para aquela reunião. Com toda educação e cordialidade o Comprador não deixou-nos falar muito e fez a seguinte colocação: “temos um negócio a fazer, vocês não tem concorrência, mas, preciso de melhor preço”. Um silêncio se fez presente por longos segundos até que o Gerente de Território iniciou seu discurso sobre como poderia atender, suas limitações por força dos preços fixados pelo Fabricante, sobre a parceria com a Consultoria e habilidades dela, enfim, tudo o que poderia levar a uma situação favorável ao nosso objetivo de fechar o negócio nas condições ofertadas. Claro que também fiz a minha parte corroborando tudo que havia sido dito e acrescentando detalhes dos serviços já prestados.
Novamente, com toda educação e cordialidade o Comprador repetiu: “preciso de melhor preço para honrar a confiança do meu CEO”. E, sem nos permitir qualquer nova ação, começou novamente a perguntar sobre nossa família, nossos hábitos, nossas cidades, e por aí afora. Sempre que abordávamos o negócio que tínhamos a fazer, rapidamente o Comprador desviava o assunto para perguntas e histórias, com uma particular habilidade.
Por volta de 13 horas, fomos almoçar todos juntos (quem pagou a conta foi o Comprador, em nome do Cliente), e foi abordada a questão do encerramento do ano fiscal. Aí deixamos transparecer o nosso único ponto fraco: o tempo de fechamento da transação.
Ao retomarmos a reunião o clima foi o mesmo com perguntas e histórias, sem conseguirmos concluir a operação. Ligamos para o VP de Vendas do Fabricante, dramatizamos, oferecemos desconto, e ouvíamos a insistente colocação de que “precisava de melhor preço”. Chegávamos por volta de 17 horas e o Gerente de Território colocou que as condições especiais conseguidas até aquele momento (a rigor tínhamos ainda margem para negociar) não poderiam prevalecer após o encerramento do ano fiscal e que deixávamos então a decisão para o Comprador. Estávamos encerrando a reunião. Com toda a habilidade e cordialidade o Comprador disse-nos que falaria com seu CEO e pediu-nos que ligasse para ele no final do dia seguinte (acho que deveríamos ter solicitado que o Comprador é quem deveria ligar). Encerramos a reunião e retornamos para nossa base.
Liguei para o CIO do Cliente à noite e ele me confessou que também não estava confortável com a situação, mas garantiu que concluiríamos a operação.
Foram ainda mais três dias para fecharmos o negócio, mas dentro do ano fiscal que se encerrava.
Ao final, posso afirmar que todos foram beneficiados: o Cliente (projeto, CIO, Comprador), o Fabricante e a Consultoria. Vale mencionar que o Gerente de Território superou sua meta e também o Vendedor e tiveram o devido reconhecimento pelo feito. Uma transação do tipo ganha-ganha, premissa primordial em qualquer negociação.
LIÇÕES APRENDIDAS
Com certeza outras lições podem ser tiradas no texto acima, mas as duas consideradas muito importantes são relatadas a seguir.
- Por mais favorável que uma situação possa ser mantenha-se atento às suas estratégias e esteja pronto para o inesperado. Algo novo pode ocorrer e mudar o cenário;
- Um novo personagem, o Comprador, com sua habilidade, trouxe-nos algo que não esperávamos para aquela negociação.
- Proteja seus pontos fracos. Não é preciso falar deles.
- Procure sempre obter um compromisso do seu oponente negociador.
- Numa negociação precisamos de ter um profundo conhecimento os benefícios que as partes terão com o fechamento do negócio e também, muito particularmente, o que cada parte pode perder no caso de não se chegar a um acordo.
- Perder o “time” do ano fiscal significava muito para nós.
- Para o Comprador o “time” da decisão era mais elástico do que para nós.
CONCLUSÃO
O que foi exposto é para mim, um Vendedor, uma experiência única em mais de duas décadas nesta profissão. É possível que alguém possa ter vivido algo semelhante, mas acredito que se assim aconteceu, não foi, por mais de uma vez, dentro de um considerável período de tempo.
Espero que apreciem a história e se quiserem comentar, mande um email para celsofurlan@uol.com.br
Será um prazer trocar informações.