Capítulo II – O dia seguinte

Depois do baque inicial da abertura do envelope e leitura da carta, tinha a correr pelo meu corpo uma sensação de alegria como nunca sentira, nem mesmo quando tive bom sexo senti-me assim. Quando voltei ao mundo real, ainda apoiada na mesa de entrada, levantei a cabeça, respirei fundo e voltei a ler novamente a carta. Sabia que nada tinha mudado, mas precisa ter absoluta certeza que havia lido correctamente:

Exma senhora Maria Conceição Martins,
No seguimento da sua candidatura, temos o prazer de informar que o seu plano de projecto intitulado “Maria Costureirinha” foi aceite após análise e validação do referido plano apresentado.
Como próximo passo deverá entrar na sua área pessoal no nosso website e na opção Ficha de Aceitação, completar os seus dados. Após submissão da Ficha de Aceitação preenchida, irá ser disponibilizado para download do Guia da Mulher Empreendedora.
Depois de recebermos a sua Ficha de Aceitação, iremos entrar em contacto consigo através do secretariado da EAME até dois dias úteis após para marcar a primeira entrevista.
Aconselhamos uma leitura cuidadosa do guia pois contém informação muito útil para a sua participação no programa de criação do projecto.
Todas as dúvidas que porventura possa ter, serão esclarecidas no decorrer da nossa entrevista.
Com os melhores cumprimentos,

Que bom. Não tinha lido errado. Tinha sido selecionada. De repente nem dei pelo tempo passar e o mundo real voltou a bater de frente comigo. Já eram quase uma da manhã e eu, dentro de quatro horas tinha que estar em pé e a caminho do escritório para efetuar a limpeza e encarar mais um dia de labuta dura e sem tempo para pensar.

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Tirei a roupa, meti-a no cesto e dirigi-me para a casa de banho. Passei uma água fria no rosto e quando levantei a cabeça, olhei para a imagem refletida no espelho e pensei em voz alta “Maria, o que foste fazer. Como é que vais conseguir suportar os três empregos que tem e ainda querer armar-se em empresária?” infelizmente o reflexo não me respondeu, manteve-se sério a olhar para mim e eu para ele. Tinha sono e a cabeça zonza. Arrastei-me para a cama, fazia frio, mas não o sentia na pele. Só quando entrei na cama, é que senti os lençóis gelados é que dei por não ter nem sequer posto uma botija de água quente na cama para aquecer. Enrolei-me toda em posição fetal para conseguir aquecer a cama e sem sentir, apaguei.

Pela minha percepção tinha acabado de entrar na cama a cinco minutos somente desde que tinha entrado na cama, mas para minha desgraça, não era assim. Afina era o despertador do telemóvel a tocar alto a indicar que já eram cinco horas da manhã e tinha que me levantar. Saí da cama e fui para a casa de banho tomar banho. Tinha olheiras fundas e roxas de cansaço, mas tinha também a alma leve por saber que uma luz se havia acendido no fundo do túnel para iluminar um potencial novo caminho na minha vida.

A porta de casa, olhei para o espelho da entrada e lembrei-me do filme “All that jazz” onde personagem principal protagonizado por Roy Scheider, depois de uma série de medicamentos e procedimentos matinais, olha para o espelho da casa de banho e com o cigarro pendurado do lado da boca diz “It’s showtime!”. Foi exactamente o que pensei, “It’s Maria time”. Sorri, sentia-me muito bem-disposta nesta manhã. Sai e fechei a porta de casa, caminhei em passos rápidos em direção à rua fria. Ainda era de noite e Lisboa começava a acordar devagarinho.

Depois de acabar a limpeza no escritório perto das 10h45, tentei me despachar o mais depressa possível para chegar ao restaurante do sr. Madeira antes que ele saísse do escritório que fica parte de cima do restaurante numa mezzanine. Precisava de um computador e queria pedir para ele me deixar usar o do escritório para entrar no site da EAME, completar a minha ficha e fazer download do guia. Corri até ao metro de Picoas, por sorte estava um comboio a entrar na estação e foi somente entrar na carruagem. No Marquês de Pombal troquei de comboio para a linha amarela e sai na estação da Baixa-Chiado. Subi as escadas rolantes de dois em dois degraus e quando sai na rua, acelerei o passo o mais que pude até a Praça da Figueira.

Entre ter saído do escritório e chegar ao restaurante, tinham passado trinta minutos. Só me sobravam 15 minutos para estar preparada e no meu posto. O Transmontano abria para almoços a partir do meio-dia e eu tinha que ajudar a Sandra a pôr as mesas e limpar a bancada.

Arrisquei mesmo assim, subi as escadas, encontrei o sr. Madeira a sair e a inserir a chave para fechar a porta. Quando ele me viu parou e perguntou “Então Maria, está tudo bem? O que foi? Precisa de alguma coisa? Estas com um ar todo esbaforido”. Fiquei estancada a meio da subida nas escadas, respirava depressa e a ponderar o que deveria dizer. Se falasse a verdade, provavelmente ele iria começar a fazer imensas perguntas e querer saber muitos detalhes. Iria gastar o pouco tempo que tinha e ainda arriscaria a que ele dissesse não. Tinha que explorar outro caminho. Optei por mentir e pedir se ele me deixava eu aceder a minha conta de email por causa do resultado de um exame de saúde que tinha feito na semana passada. O sr. Madeira ficou a olhar para mim com um ar muito desconfiado e a coçar o queixo. Senti que ele sabia que estava a mentir, pois estava a transmitir todos os sinais corporais que indicavam que estava mesmo a mentir. Tinha as costas curvadas e esfregava as mãos com muita força apertando-as contra a zona da barriga.

Por fim, o sr. Madeira vira e diz, “Tudo bem. Veja lá se despacha isso rapidamente pois hoje é dia de cozido e vai ser um almoço com muita gente para servir.” Sorri e senti um alívio. Entrei no escritório, o computador estava ligado sobre a mesa coberta de contas e papeis, sentei-me na cadeira de costas altas. Aquele escritório precisava de uma boa limpeza e a cadeira tinha os apoios de braço todos carcomidos e com a espuma do enchimento a aparecer.

Digitei o endereço do site da EAME e do lado direito tinha a área para eu inserir o utilizador e palavra-passe. Inseri e escolhi a opção que tinham indicado na carta. Completei os dados que faltavam, submeti a ficha e fui direcionada para uma página onde tinha um link para o Guia da Mulher Empreendedora que tinham referido. Descarreguei o guia para a pen drive que tenho no meu porta-chaves. Aliás até parece estranho eu ter isso. Não sou mulher de dominar estas coisas das tecnologias de informação. Lembro-me bem como a ganhei. Estava a limpar o escritório e um dos funcionários da empresa chega que lá todos os dias as 07h45 – diz que é excelente para ter alguma paz e tranquilidade para preparar o dia-, e um dia ele chegou e eu estava a limpar a mesa dele e deixei cair a pen drive que estava sobre na mesa. Ao ver eu baixar e pegar para por no lugar ele virou para mim e disse “fique com ela. Tenho muitas mais. Pode ser que um dia lhe dê jeito.” Pois é, não é que me deu jeito ter uma pen drive no porta-chaves. Sorri a lembrar-me disso.

Desliguei o ecrã do computador, levantei-me, sai da sala, fechei a porta e fui para o balneário me vestir. Tinha feito o que me pediram e já tinha o guia na pen drive. Agora era hora de voltar ao meu posto para ajudar a Sandra e estar preparada para as dezenas de pratos, copos, talheres e travessas que iriam começar a entrar pela janelinha que separa a sala do restaurante da cozinha.

Tal como o sr. Madeira previu, foi um almoço onde servimos dezenas de pessoas. Parecia que numa mais parava de entrar pessoas. Foi uma azáfama até perto das 14h30 sempre com a sala cheia de gente. Mas tal como nos outros dias, a partir das 14h30 o restaurante já não serve mais almoços e eu aproveito para despachar todas as louças que tenho já lavadas, arrumo tudo e as 15h30 tenho que sair para ir para o callcenter em entrecampos.

Como tinha algum tempo antes de entrar as 18h00, saí na estação da praça de touros do Campo Pequeno, atravessei a rua e entrei no centro comercial que há por baixo. dirigi-me a uma loja que faz fotocópias e impressões para pedir que imprimissem o guia que tinha na pen drive. Era um documento pequeno com cerca de 20 páginas somente, que de impresso custou-me 3 euros já com uma capa plástica na parte da frente e outra na parte de trás. Sai do centro comercial, sentei-me num dos bancos que estão mesmo a frente da porta principal. Antes de me sentar parei e olhei para o cartaz por cima da porta que anunciava a feira de Natal que iria começar na próxima sexta-feira e decorreria até domingo. Não é lugar que possa frequentar. Não me sobra dinheiro suficiente para este luxo de querer comprar presentes de Natal. Compro sempre na lojinha chinesa ao pé de casa umas coisinhas baratinhas e já me custam os olhos da cara.

Sento-me e começo a ler o guia e quando chego a página 6 deparo-me com algo que, de alguma forma, já sabia poderia acontecer. O programa descrevia as várias fases e que o tempo total seria de 6 meses com a primeira parte do programa com um curso intensivo de duas semanas a iniciar as 09h00 e a terminar as 18h00. Senti um aperto na barriga. Como iria sobreviver? Tinha que me demitir dos três empregos, pois não dava para conciliar o curso com os horários de trabalho. Fechei o guia pois já não tinha capacidade emocional para continuar a ler. Senti os olhos ficarem marejados de lágrimas. Como estava a se aproximar as 17h30, tinha meia hora para chegar ao emprego e estar sentada no meu cubículo, pronta a fazer chamadas as 18h00 em ponto.

Quando ia a caminho do prédio onde trabalho sinto o telemóvel tocar na mala. Paro e começo a procurar o desgraçado do telemóvel que mais parece desaparecer dentro das coisas que tenho na mala. Lá o encontrei, olhei para o número e não conheci a origem. Atendi e do outro lado uma voz feminina se identificou como sendo do secretariado da EAME e perguntar-me se era a Srª Maria Conceição Martins. Vinha a caminhar e de repente estanquei no meio do passeio. O coração começou a acelerar o batimento e com a voz meio engasgada disse “Olá. Sim sou eu. Em que posso ajudar?” a pessoa do outro lado se identificou, “sou a Teresa, trabalho no secretariado e me pediram para lhe contactar para marcarmos a sua entrevista com a equipa de avaliação de projectos. Qual a sua disponibilidade para vir até aos nossos escritórios na Caso do Impacto perto do Jardim de São Pedro entre o Bairro Alto e o Príncipe Real? Na próxima semana temos disponibilidade na terça-feira as 09h00 ou na quarta-feira as 10h30. Qual dos dois dias pode por favor?”

Se o meu coração estava acelerado, agora que enfrentava uma decisão difícil que poderia mudar a minha vida ou arruiná-la de vez, fiquei muda por alguns minutos, que mais pareciam horas. Do outro lado a Teresa perguntava “Está lá? Srª Maria ainda está aí?”. Estava a ver o filme da minha vida a passar pelos meus olhos num espaço de 1 segundo. Sem saber bem o que dizia falei “sim, sim estou aqui. Desculpe. Sabe apanhou-me meio desprevenida.” Sorri um sorriso amarelo para disfarçar o nervosismo. A srª Teresa questionava novamente, “Então qual o melhor dia para a sua entrevista inicial por favor?”.  Sem saber como iria conseguir me arranjar para ir a entrevista, respondi “quarta-feira por favor”. Do outro lado a voz agradeceu a minha resposta e confirmou com todas as letras:

“Então adeus e até quarta-feira as 10h30 aqui na Casa do Impacto. Quando cá chegar diga na entrada que vem para a EAME para falar com o dr. Pedro Teixeira e a drª Celestina Cruz. Tenha uma boa semana e até lá.”, do outro lado o telefone desligou, mas eu não me mexi. Continuei estancada no meio do passeio com o telemóvel agarrado a orelha esquerda. Despertei com um susto, quando uma colega tocou no meu ombro. Dei um salto e até saiu-me um grito abafado de medo da boca. Tinha acordado para a minha nova realidade. Acabara de aceitar a data da entrevista inicial para a quarta-feira da próxima semana as 10h30.

Acordada do sonho bem real que tinha vivido há poucos minutos, disse que estava tudo bem a minha colega e segui com ela para o prédio do callcenter. Faltavam 10 minutos para as 18h00.

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    Coach Wilques Erlacher

    ACC Coach Credenciado pela ICF. Especializado em Coach de Desenvolvimento & Metafórico e Presidente do Conselho Fiscal da ICF Portugal. Há mais de 20 anos que trabalho em funções relacionadas com Marketing, Vendas Corporativas, Desenvolvimento de Negócios, Gestão de Clientes, Formação, Mentoria e Consultoria em Vendas. O meu lema é: “Coaching não é para quem precisa, é para quem quer ser melhor” Os meus contactos são: email: we@wilqueserlacher.com || Skype: w.erlacher || Tel: +351 932 558 558

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